DIÁLOGOS

Louise Richardson

“Aonde fica a saída?"perguntou Alice ao gato que ria. ”Depende”, respondeu o gato. ”De quê?”, replicou Alice; ”Depende de para onde você quer ir...” Alice/Lewis Carroll


O diálogo de Alice com o gato diz muito sobre o começo desta caminhada. Assim como no livro de Lewis Carroll, minha trajetória poderia ser representada pela conversa de Alice com o gato. Esta conversa poderia ter feito parte de meus diálogos com minha orientadora, supervisora e amiga, Jackeline Farbiarz, sim, Jackie foi meu gato. Sempre me disse que o caminho (as saídas) seria traçado por mim e pelas muitas vozes que eu encontraria. Que essas vozes apareceriam de acordo com as trilhas por mim percorridas. No entanto, sua voz sempre esteve em diálogo com a minha, me perguntando: “Para onde você quer ir?”, e assim fomos compondo nossas prosas, compartilhadas também com muitas outras vozes.

Diálogos é o último escrito desse trabalho, no entanto, poderia ter sido o primeiro, pois essa trilha começou a ser desenhada em 2007, no Departamento de Artes e Design na PUC-Rio, em um curso de especialização chamado "O Lugar do Design na Leitura: multimeios, interatividades e visualidades". Este curso me apresentou novos modos de olhar a linguagem, as possibilidades de construção de sentido e o lugar de mediação do design. Me apresentou, também, um grupo de pesquisadores e amigos, com quem compartilho diálogos: o Laboratório Linguagem, Interação e Construção de Sentidos em Design (LINC-Design). Nosso grupo "abarca pesquisas, projetos e ações que analisem ou proponham situações de interação – “sujeitos-objetos/sistemas/serviços-contextos” – inscritas em processos formativos/produtivos. Pesquisar, projetar e agir no Laboratório pressupõe atenção com as transformações socioculturais em contextos de educação, saúde e comunicação e também antecipação de caminhos em prol de uma Educação para o século XXI. Por este caminho, no LINC-Design há o entendimento do Design na perspectiva da formação de opinião, tendo em vista a constante ressignificação sociocultural em favor de processos formativos/produtivos sustentados por competências participativas, multimodais, lúdicas que favoreçam a ética e a inclusão."

Para começar esta conversa é preciso pontuar que o fio que inicia esse texto parte das seguintes concepções bakhtinianas: de que em um enunciado se expressam diferentes vozes e que todo discurso é formado por diversos discursos em diálogo, polifonia; e de que "Viver significa participar do diálogo: interrogar, ouvir, responder, concordar etc. Nesse diálogo o homem participa inteiro e com toda a vida: com os olhos, os lábios, as mãos, a alma, o espírito, todo o corpo, os atos." Nas ideias do autor, a atividade do diálogo acontece entre EU e Outro em um determinado território e socialmente construído em interação linguística, o homem na produção do diálogo, pela linguagem. Parte-se também do entendimento de que é preciso estar junto, ouvir e, acima de tudo, compartilhar e dialogar com. O exercício de vozear continua com as palavras de Farbiarz (2003):

"Ouvir com empatia quer dizer, pois, ouvir dentro do sentimento do outro. [...] Se eu venho destacando a importância do olhar na construção de uma argumentação... é privilegiada a importância de ouvir. Visão e audição, dois de nossos sentidos físicos aos quais poderia agregar, sem nenhum constrangimento, tato, paladar e olfato, na comunhão de esforços que nos levassem a vencer junto com o outro, ou seja, a argumentar."


O que está apresentado nas vozes de Bakhtin e Farbiarz é que ao agir no mundo, o fazemos por inteiro, com os sentidos, os sentimentos, o corpo e, principalmente, na interação com o outro. Para os autores, a ação no mundo se dá como um ato ético, no qual se faz necessário reconhecer em mim e no outro o lugar singular e único no mundo. Compreender que o que penso e digo é produzido a partir do lugar que ocupo no mundo e em diálogo/interação com o lugar que o outro ocupa, ou seja, dimensões verbais e extraverbais presentes nos atos de compreensão, interpretação e expressão. É no encontro com o "outro" que elaboramos nosso entendimento do que é o "eu", e construímos identidade. Em interação e mediados pela linguagem, criamos e ampliamos nosso repertório, nos transformando e transformando ao meio. Estar com o outro, estar em diálogo, é ter a palavra como "...ponte lançada entre mim e os outros." (Bakhtin, 1982 [1929]).

As experiências apresentadas neste trabalho estão inscritas em diversas áreas, como design, saúde e educação. No entanto, o que as coloca em diálogo é o fazer como modo de materializar o pensamento mediado por signos compartilhados em determinado contexto. Se aceitamos que “O ser não é dado, mas inventivo” (Kastrup,2016), lugar de potência, assumimos que objetos, em interação, são elementos potencializadores de novas perguntas e, assim, nos aproximamos do design como elemento catalisador de novas experiências e possibilidades dos sujeitos se constituírem, inventarem a si e ao mundo.

Portanto, pensar o ato projetual como relação de configurações e significações em permanente (inter)relação em lugares sociais, que abarcam “o eu” e o “outro”, é o caminho para estar comprometido com uma prática de projeto inclusivo. Para Farbiarz (2004): "...a significação do ato/processo resulta da multiplicidade de visões que juntas ampliam a face visível e compõem e configuram o ato de fala/objeto de design."

Um design que se propõe inclusivo, está para além de ser orientado por leis, normas ou princípios de acessibilidade, reside no compromisso de perceber a si e ao outro como seres sociais. Em outras palavras, o foco está em projetar onde caiba o outro como legítimo na convivência, situa-se no imbricamento entre ética e estética, posto que a ética encontra-se no âmbito da práxis vivida por uma sociedade. Conceber espaços, objetos e/ou sistemas no âmbito do design inclusivo/social, requer do designer perceber parâmetros complexos envolvidos nesse processo, bem como, perceber-se como corresponsável pela elaboração coletiva de uma cultura inclusiva, percebendo sua prática como social.

Esse trabalho evidenciou a necessidade da elaboração de novos caminhos para constituição de espaços que incluam a diferença, o diferente e suas singularidades. Apontou, também, para importância do fortalecimento de abordagens que propiciem a criação de redes potentes de trabalho. Ou seja, espaços de encontros, de trocas entre pessoas, ideias, palavras e projetos que gerem provocações de sentidos - múltiplos sentidos; que nos auxiliem a assumir a diversidade. Se assumirmos que somos múltiplos, reconhecemos os vários modos de ser e estar no mundo em interação com nossos afetos. Olhar as pessoas a partir de múltiplas potencialidades nos faz sujeitos de experiências e elaborações únicas, que podem e devem ser partilhadas na ação.

Finalizando, mas não concluindo, percebo que o dialogar entre mim, Jackeline e Bakhtin - e todas as vozes presentes nesse trabalho - é caminhar pelo mundo de Alice(s) e deixar para trás as certezas. Ter apenas a convicção de que é preciso descobrir o que iremos construir juntos, em nosso tempo/lugar. Assim como na história de Alice, enquanto dialogamos tudo é possível, inclusive dar forma ao improvável. As muitas vozes que tecem nossos saberes são narrativas de vidas que se encontram no aqui e agora, mas que ficam como signos que possibilitam criar novos caminhos, marcas do tempo e no tempo, afinal: “Quanto tempo dura o eterno? Perguntou Alice ao Coelho. Às vezes, apenas um segundo”.

Dedico este projeto para T, o menino com TEA, e às crianças com a Síndrome Congênita do Zika Vírus.

Outras vozes estiveram, e estão, em diálogo nessa ciranda de textos e experiências: as famílias das crianças com a Síndrome Congênita de Zika Vírus, educadores, terapeutas, assistentes sociais, gestores públicos...pessoas que me permitiram partilhar conhecimentos e afetos, e que estão presentes em cada linha de pensamentos aqui escritas.

Os amigos eternos do LINC: Eduardo de Andrade Oliveira; Julia Teles da Silva; Lucas Brazil; Maria Júlia Nunes; Maria Lúcia Espanhol; Renata Mattos Eyer de Araujo; Mariana Nioac Salles; Alexandre Farbiarz; Bruna Saddy; Cynthia Macedo Dias; Daniel Vargens; Eduardo Figueira e Silva; Felipe Filgueiras; Guilherme Xavier; Maira Lacerda; Guto Lins; Julieta Sobral; Luciana Perpétuo Oliveira; Luciana Franco; Barbara Necyck; Ricardo Artur Carvalho; José Urbina.

Minha amiga e parceira Flávia Oliveira (Enfim Enfant); Coletivo Elaborando; Movimento Zika; equipe EBBS e todas as pessoas com quem tive interação direta e indireta nessa tessitura.


MUITO OBRIGADA POR TANTO!